"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

sábado, 13 de março de 2010

"A pouca realidade" - Fala, Ferreira Gullar!!!

Esta semana li um texto de Ferreira Gullar na Folha de S. Paulo (7 de março), que achei por bem compartilhar. O poeta e ensaísta questiona os rumos tomados pelos organizadores da próxima Bienal de São Paulo. No evento, serão exibidos filmes de ficção que tratam da realidade política, econômica e social, o que denota uma nítida perda do sentido artístico sempre inerente à Bienal, em detrimento de uma mostra da "vida real". Segundo Gullar, "O realismo do passado representava a realidade; o de agora mostra-a". Mesmo quando Coubert apresentou ao público francês as telas "realistas", o que estava em jogo era uma leitura, ou melhor dizendo, possiblidade do real, e não uma fotografia dele, como querem no evento paulistano. Gullar, em seu texto, passeou por vários artistas plásticos, dos realistas aos impressionistas, dos dadaístas aos cubistas etc, mostrando que "A arte existe porque a realidade não nos basta", e que "copiar a realidade é chover no molhado". O mundo em seu sentido literal é já conhecido por todos, e sua retratação nada acrescentaria aos nossos sentidos. A arte, por outro lado, traz "um deslumbramento a mais no mundo". Contentar-se apenas com o que é permitido à visão e ao tato físicos é, sem dúvida, renegar a capacidade do homem de transfigurar e ou mesmo transcender o mundo concreto, alcançando uma percepção mais depurada de si mesmo e do que nos circunda. Copiar o mundo é informar, dizer o que é notório, constatar o que é óbvio; fazer arte é desautomatizar, desfazer as evidências e despertar a imaginação.  Bastar-se com a realidade é assumir que haja um controle rigoroso sobre o mundo e que existe apenas um juízo definitivo acerca de tudo.

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