"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

SOBRE A SEDUÇÃO

Encontrei, esses dias, o seguinte texto:

     O que se diz de imediato sobre a sedução é que é um jogo. Caçada silenciosa entre dois olhares; captura numa rede perigosa de palavras. Jogo arriscado e fascinante - angústia e gozo - onde o vencedor não sabe o que fazer de seu troféu e o perdedor só sabe que perdeu seu rumo: um jogo cuja única possibilidade de empate se chama amor.
     Jogo que pretendo abordar do ponto de vista do aparente perdedor - o seduzido - já que é ele quem nos deixa registro sobre sua experiência. É o seduzido que se expressa - na poesia, na literatura, nos consultórios de psicanálise. É o seduzido que tenta compreender a transformação que se deu nele ao mesmo tempo que tenta entender o poder do olhar sedutor. [...] O sedutor é o que não se revela. Mas revela alguma coisa - o quê? - sobre o seduzido.
(Maria Rita Kehl)

E por falar em sedução, aqui segue o poema "A mulher e a casa", de João Cabral de Melo Neto:

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Livros na era da informática

Algumas semanas de férias e aqui estamos novamente, rodeados por livros, compromissos, trabalhos... e a vida segue seu curso, não em linha reta, mas em linhas sinuosas que se justificam na medida em que se perfazem. A rotina volta em nosso cotidiano, porém acrescida de novas experiências e expectativas.
O que mais tenho ouvido ultimamente é a respeito do fim das livrarias em detrimento dos livros virtuais. Passeando pela livraria Cultura, em S. Paulo, e por outras de nossa região, fica difícil acreditar nisso. Não se trata do fim das livrarias, dos livreiros nem dos livros da forma como conhecemos. Trata-se, na verdade, de uma nova forma de comercialização e acesso a eles que vem crescendo na sociedade informatizada, como tantas outras coisas que igualmente facilitaram a vida das pessoas e o acesso a informações e produtos de forma virtual. Por outro lado, nunca se produziu tanta poesia no Brasil, postada em blogs e sites especializados. Tamanha é a dificuldade em se publicar livros no Brasil, que muitos optaram por divulgar seus próprios textos pelo acesso via internet. Não me refiro apenas a poetas e poesias, mas a filósofos, biólogos, sociólogos e tantos outros que, capacitados intelectualmente para a divulgação de suas ideias, dedicam-se a produzir e provocar ideias, contactando-se com pessoas diversas, sendo mais lidos do que outros tantos que têm seus livros adormecidos nas estantes das bibliotecas e livrarias. O filósofo, escritor e professor Paulo Ghiraldelli Jr., da UFRRJ, por exemplo, envia semanalmente, via internet, seus textos sobre filosofia e educação, com qualidade incomensurável, contribuindo para a formação de novos leitores e proporcionando reflexão e conhecimento. Acredito que não estamos diante de um decreto apocalíptico do fim dos tempos das livrarias e das bibliotecas, mas diante de uma nova era em que o conhecimento e a propagação de ideias estejam rompendo a barreira do próprio mercado editorial, avançando rumo a uma experiência de criatividade do sujeito na sua própria liberdade de expressão artística e informativa.