"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

sábado, 30 de maio de 2009

POEMA DE JOCEMARA MARCELA MENEZES:

Mãos

Mãos trêmulas, in seguras
Mãos pequenas de um amor
Mãos suaves, macias
Mãos de mãe
Mãos que socorrem e são socorridas
Mãos que preparam o alimento
Mãos que gritam socorro
Mãos que seguram a queda
Mãos que acalentam e acariciam
Mãos que pedem carinho
Mãos que se amam e se perdem
Mãos que se conectam com o mundo
Mãos que escrevem, que rabiscam coisas certas e corajosas
Mãos que se surpreendem
Mãos que escovam a boca da imundície do mundo
Mãos que seguram sujeira
Mãos que estão imundas
Mãos que são imaculadas
Mãos cansadas de tanto sofrer
Mãos que abrigam e que espancam
Mãos que não têm nada a dizer
Mãos que caminham sem pressa
Mãos que limitam o tempo e mãos que não tem pressa do tempo passar
Mãos belas e frias
Mãos frias e belas
Mãos que se despedem
Mãos que sofrem com a despedida
Mãos que já não sabem viver
Mãos que se perdem e
Mãos que se encontram
Mãos que estremecem
Mãos que se desanimam antes mesmo de tentar
Mãos amigas, calorosas
Mãos que têm muito amor
Mãos que riem e se alegram
Mãos que só andam aos pares
Mãos que estão cansadas da solidão
Mãos que não têm mãos
Mãos que não sabem o que fazer com as mãos que têm
Mãos elegantes e sacanas
Mãos dedicadas e humanas
Mãos que têm tudo a dizer
Mãos que dizem pouco e
Mãos que dizem qualquer coisa só por dizer
Mãos atoladas de serviço
Mãos que fogem do compromisso
Mãos que se esquecem de se lavar
Mãos que são solidárias
Mãos que são encarceradas
Mãos que não fizeram nada mas têm a sentença de ser
Mãos ofegantes
Mãos desprovidas do calor das mãos
Mãos irritadas
Mãos mal-amadas
Mãos “that just speak in English”
Mãos que não conseguem
Mãos que acham que não podem chegar lá
Mãos que prendem os cabelos
Mãos que coçam a careca
Mãos que escondem a face
Mãos que dão a cara a tapa
Mãos que lutam e que suportam a batalha
Mãos indiferentes
Um dia seremos todos mãos-túmulo ou mãos-rosas
E a única certeza que teremos é que estaremos prestes a passar
E o que teremos feito então com as nossas mãos?
09/julho/2008

quarta-feira, 20 de maio de 2009

– SEMANA DE DEBATES DA FABAN: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

25/05 – 19h30 – Experiência e pobreza modernista
Prof. Matheus Marques Nunes
21h10 – Turismo Educacional
Prof. Marcos Roberto da Silva

26/05 – 19h30 – O que é o pós- modernismo?
Profª. Ana Paula de Oliveira
21h10hs – O legado da Modernidade
Prof. Cláudio Henrique Bauso

27/05 – 19h30 – Quando as leituras se entrelaçam
Profª. Maria do Carmo Belizário
21h10 – Analogia e ironia: romantismo
Prof. Alexandre de Melo Andrade

28/05 – 19h30 – Música e modernidade
Prof. Cleber Sdern
21h10 - Apresentação de trabalhos dos alunos
29/05 – 19h30 - Sarau de Letras (SESC)
Poema, de Ana Carolina Bianco Amaral.

pães

o dia se inicia mudo
morre calado.
esteiras apócrifas estalam no possível entardecer.
a ilusão matinal cheira a centeio
traz as velhas lembranças do pesadelo polido de ontem
o ritmo dos meus pés descalça meu coração
morto selvagem a artéria equilibra meus óculos
sem fundamentos, todo nascimento gera a morte
plantemos o trigo.


Conto, de Ana Carolina Bianco Amaral.
fotografia

sentada na velha cadeira de vime escuro centeio observo o pequeno objeto abstrato que vinha debaixo da velha porta grafite. Seu reflexo instantâneo surtia devaneio nas minhas íris amarelas amendoadas. Um caminho para a descoberta, o destino e a morte.
Vire-me monstruosamente e observei insetos dos quais designo peçonhentos. Não que uma humilde barata possuísse veneno letal, mas a morte impactante entre suas entranhas e meus óculos esfumaçados era digna de alcova campestre. Num determinado período hesitei entre o spray em droga e o chinelo. A noite era morna e adocicada, a ânsia translúcida me aludia covardemente. As chinelas de domingo me pareciam, nesse advento, inferiores aos meus pés, desisti de calçá-las.
Covarde de mim, covarde de mim. A luz tentava parir sua candura, somente o escuro me adornava. Um atroz arrepio percorria meu corpo frouxo, polido. Sentia minhas unhas rouxear-se num convento inaudito do meu desespero. Minha pele sempre albina copulava negra com o espaço congênito do meu quarto. As irmãs íris, outrora amarelas, cogitavam-me outro segredo inconfessável. A transformação começara. As veias, tão azuis, saltavam dos meus labirintos. Meus lábios apeteciam num tom róseo ruge de natal. Os cabelos se desprendiam, automáticos, do laço de fita e banhavam, rouxos, meu lombo. Aludida com os tortuosos desejos imaculados, fixei-me na sombra. Colinas suíças debatiam no estômago que se rasgava em meu ser. Dor pungente meia da calça. Peremptório suor hidratava a pele negra. Somente um pensamento “de agora então serei barata”. A mutação terminara. Ao acender a luz, o espelho selou minha fisionomia. Por detrás da sombra murcha daquela velha porta, minhas antenas captavam o estrelado do céu. Pegajosa me continha na minha condição. Virei-me. Por detrás daquele reposteiro sombrio e ensolarado estava o rosto de uma doce menina, e no chão, uma fotografia rasgada da mesma face.

Ana Carolina Bianco Amaral.

sábado, 9 de maio de 2009

Mário de Sá-Carneiro-Correspondência com Fernando Pessoa; Paris 16 Novembro 1912

Meu caro amigo
Com péssima disposição de espírito e num dia chuvoso, enervado, escuro como breu venho responder-lhe à sua longa carta. Começo por lhe pedir perdão de em troca lhe enviar poucas linhas - “poucas e mal alinhavanhadas linhas” lugar-comum que, neste caso, exprime bem a verdade.Não tenho de forma alguma passado feliz nesta terra ideal. Tenho mesmo vivido ultimamente alguns dos dias piores da minha vida. Porquê? indigará você. Por alguma coisa- é a minha resposta. Ou antes:por mil pequeninas coisas que somam um total horrível e desolador. Olho para trás, e os tempos a que eu chamei desventurados, afiguram-se-me hoje auéreos, suaves e benéficos. Diante de mim, a estrada vai pouco a pouco estreitando-se, emaranhando-se, perdendo o arvoredo frondoso que a abrigava do sol e do vento. E eu cada vez mais me convenço que não saberei resistir ao temporal desfeito- à Vida, em suma, onde nunca terei lugar.Vê você, eu sofro porque sinto próxima a hora em que o recreio vai acabar, em que é forçoso entrar para as aulas. Talvez não me compreenda nestas palavras, mas eu não tenho paciência nem força para lhe falar mais detalhadamente. Em suma, não creio em mim, nem no meu curso, nem no meu futuro. Já tomei várias decisões desde que aqui estou e um dia senti, na verdade senti cheio de orgulho, que me chegara finalmente a força necessária para desaparecer. Ilusão dourada! Na manhã seguinte essa força remediável tinha desaparecido. E então resolvi voltar para Lisboa, sepultar dentro de mim ambições e orgulhos. Mas não tive também força para o fazer. Sorria-me Paris e, lá ao longe, um fiozinho de esperança que todas as aspirações dentro de mim me fizeram ver como um facho resplandecente. Desembriagado hoje, porém, observo desolado quanto esse fio é ténue. Mais uma vez fui fraco em resumo- adiei, e sempre boiando cá vou vivendo.Depois, no meio da minha angústia, pequeninas coisas se precipitam a exarcebá-la: A saudade de todas as coisas que vivi, as pessoas desaparecidas que estimei e que foram carinhosas para mim. Mas não é isto só: sofro pelos golpes que tenho a certeza hei-de vir a sofrer, como por exemplo, a morte fatal e próxima de algumas pessoas que estimo prigundamente e são idosas. E sofro ainda também, meu querido amigo, por coisas mais estranhas e requintadas- pelas coisas que não foram. De forma que numa tortura constante tenho vivido nestes últimos dias e cheguei mesmo a chorar uma noite- o que há tanto, desde os quinze anos, não me acontecia.(…)
Grande abraço do seu verdadeiro amigomuito obrigadoMário de Sá-Carneiro.

Excerto de carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, incluída no livro “Mário de Sá-Carneiro Correspondência com Fernando Pessoa (Volume I)”

quarta-feira, 6 de maio de 2009

DEPOIMENTO

Pessoal, aqui segue um relato de como me apaixonei pela leitura. Como nunca contei isso a ninguém, resolvi compartilhar com vocês:

Aos 7 anos de idade, morava numa fazenda aqui da região de Ribeirão Preto chamada Santa Mônica, e a escola onde estudaria ficava no Córrego Grande, uma outra fazenda vizinha. Eu, meu irmão e dois vizinhos andávamos mais ou menos um quilômetro e meio a pé e esperávamos na beira da estrada pela professora que vinha de Cravinhos; ela nos pegava com sua Brasília e então descíamos até a escola. No primeiro dia, tomei leite tão depressa que minha irmã até se assustou; é que eu estava entusiasmado à espera desse mundo novo que se descortinaria. No começo, achei que não conseguiria aprender, as letras me vinham como códigos indecifráveis; elas eram muitas, e eu pouco. A cartilha “No Reino da Alegria” trazia aquele sistema tradicional de junção silábica, e eu tinha medo dessas letras que se uniam a outras para formarem palavras. Nos primeiros dias, minha mãe me perguntava se eu estava aprendendo, e eu dizia que sim, pois não queria decepcioná-la. Certo dia, como numa epifania, consegui ler a primeira lição da cartilha, e percebi que o mesmo sistema utilizado para a formação de uma sílaba era utilizado para outra; dessa forma, compreendi que bastava identificar a sonoridade da consoante para saber pronunciá-la com qualquer vogal. A descoberta foi tão repentina que numa tarde, andando na carroça da fazenda com meu irmão e com a cartilha entre os joelhos, pude lê-la quase por inteiro, para espanto dele e de mim mesmo. Eu estava maravilhado; já não eram apenas letras que entravam pelos meus olhos, mas palavras inteiras, frases completas. Eu não conseguia parar de ler. Meus irmãos me pediam o tempo todo para ler, inclusive letreiros que apareciam em produtos e anúncios. Descobrindo a palavra, eu descobria um universo de possibilidades. E como isso me satisfazia! Um ano depois, estando na segunda série do grupo, outra professora nos pegava (agora era com um Fusca branco) e nos levava até o Córrego Grande. Eu sentia falta de ler outras coisas, a cartilha não me bastava e eu me cansava dela. Nós não tínhamos livros; apesar de alfabetizados, meus pais e meus irmãos não manifestavam interesse por leituras. Foi então que desenterraram lá em casa uma Bíblia do Novo Testamento que uma ex-professora do meu irmão havia nos vendido quando morávamos em outra fazenda. Belica – assim ela era chamada –, muito religiosa, quisera, na ocasião, que a família de cada aluno portasse uma Bíblia. Comecei a lê-la às tardes e à noite. Porém, eu não a lia com interesse religioso, o que me encantava nela era a narrativa em si, a história de um personagem chamado Jesus Cristo e sua trajetória de vida. Eu criava imagens mentais, devorava as páginas e acompanhava o enredo com expectativa. Meu interesse pela Bíblia era ficcional, eu não pensava na veracidade do que lia, e isso nem me interessava. Foi dessa forma que descobri meu gosto por “estórias”. No ano seguinte, quando acabava de completar 9 anos, nós nos mudamos para Cravinhos, e pela primeira vez eu estudaria numa sala com muitos alunos, numa escola grande... e tudo era realmente grande demais, assustador, a ponto de eu não querer mais ficar na escola. Minha mãe me transferiu, então, para o colégio onde meu irmão estudava, lá eu me sentiria mais seguro. Descobri logo que havia uma biblioteca na cidade, e eu fui até lá para conhecê-la. A primeira vez que entrei foi inesquecível, eram muitos livros olhando para mim distribuídos em prateleiras várias, eu nunca tinha visto outro livro que não fosse a tal Bíblia sagrada ou a cartilha. Timidamente, percorri os corredores. Sentia um cheiro de papel envelhecido que brotava do fundo dos livros; eu os pegava nas mãos, abria suas páginas – muitas até amarelecidas – e ficava folheando-as, embebido pelas novas estórias que surgiam através delas. Era muito difícil decidir pelo livro que queria ler; acho que se pudesse, leria todos de uma só vez. Eu levava para casa livros de Maria José Dupré, Pedro Bandeira, Clarice Lispector, e até de escritores estrangeiros que eram traduzidos no Brasil. Tinha uma semana para devolvê-los, porém antes do prazo eu já os trazia de volta. Confesso que ficava um tanto envergonhado, pois a bibliotecária – uma senhora um pouco gorda, de cor clara e cabelos louros – me via chegar e mostrava um breve e simpático sorriso, como quem diz: “Olha ele aí de novo!”. Eu não conseguia ficar uma semana sem aparecer por lá, pegava um livro já sabendo o que queria para a semana seguinte. Os livros ficavam me esperando, queriam ser lidos por mim, e eu tinha o tempo todo do mundo para saboreá-los. Em casa, enquanto lia um, deixava outro à espera, e isso me causava certa euforia, era um encantamento só com a idéia de que havia outro por ali, sobre a mesa, sobre o sofá, sobre a cama... Eu me deparava com eles, às vezes por querer, outras vezes sem querer, e eu me espantava de vê-los assim, era como uma refeição deliciosa que esperava para ser deglutida, de forma que só de vê-la já ficamos com aquela sensação de água na boca. Esses sentimentos eram a minha “felicidade clandestina”, tal qual eu li muitos anos mais tarde no conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector. Nunca mais parei de ler. Acho que quem descobre o encantamento da palavra não consegue se divorciar dela. Meus livros foram meus maiores amigos da infância, com eles eu pude viajar por múltiplos caminhos apenas deitado em minha cama ou na poltrona da sala, eles me permitiram desenvolver a capacidade de introspecção, tão rara às crianças e adolescentes de nosso tempo. Até hoje, quando vou a uma livraria, perco-me no tempo e fico folheando as páginas dos livros, sentindo o cheiro que brota delas, encantado com o mundo que jorra dali. Nestes momentos, percebo em mim a presença daquele menino de 7 anos que, por falta de livros, encantava-se com a narrativa bíblica e depois sentia o perfume dos livros velhos e amarelos da biblioteca que lhe abriam o universo da imaginação. (Alexandre de Melo Andrade)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

As lágrimas de um lamento

Naquele canto
Há um menino
Sozinho.

Ele chora, implora.
As lágrimas correm,
Descem seu rosto
Feito um mar atormentado.
Seu coração está apertado.

Os sentimentos em uma mistura
Formaram um laço de desespero
Tristeza, dor, aflição,
Pavor, medo e tentação.

O mundo roda,
Aquele burguês vai e volta.
Mas o menino continua parado
No mesmo estado.

Oh! Menino inocente!
Chora!
Chora!
Chora!
Lamente!

Mas lembre-se,
Que o culpado do seu choro
É aquele que discursou,
Que convenceu,
Que iludiu, seduziu.

Esse maldito,
Não quer saber de sua situação.
Não quer saber que a sua cama
É o chão.

Malditos! Malditos!
Todos aqueles que fingem.
Hipócritas!
Encenam uma comédia
Pois suas vidas são máscaras,
Escondem do mundo
E tem medo da vida.

Passam,
Sobre o menino
E nada fazem
Nada querem fazer
Porque não querer perder.
Perder? Sim perder.
O poder.
A postura falsa,
Que aceitaram
Que o escolheram
Para cada um de vós.

Grita menino!
Quem sabe alguém não escuta?Quem sabe o vento responda?Quem sabe o destino muda?Tente! Mais uma vez.

O seu choro
Pode convencer alguém,
E quem sabe
Sua história não seja outra.

O passado você não irá apagar,
Mas o futuro poderá mudar.
Tente! Chore! Grite!
Um dia você será atendido
Mesmo que pelo cruel destino ...


(Alex Moretto - aluno do curso de Letras da FABAN)