"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O SOL EXISTE


O sol existe
Ainda que seja noite
O sol existe
Por cima de paus e pedras
Nuvens e tempestades
Cobras e lagartos
O sol existe
Ainda que tranquem a janela
Do nosso quarto
E roubem-nos a luz
O sol existe.

(Maiakovski)

sábado, 4 de julho de 2009


Li recentemente a obra Aparição, de Vergílio Ferreira, escritor contemporâneo português. Fiquei impressionado com a vibração poética do texto. Aliando filosofia existencialista e poesia, Vergílio abre caminhos à prosa contemporânea e consegue, nesta obra - considerada por ele mesmo sua obra-prima - provocar o envolvimento do leitor pelas imagens impressionantes e pelo teor reflexivo. Destaquei alguns trechos:

A minha presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei - não do olhar dos outros. Os astros, a Terra, esta sala, são uma realidade, existem, mas é através de mim que se instalam em vida: a minha morte é o nada de tudo. (1983, p. 10-11)

Nada há mais na vida do que beber até ao fim o vinho da iluminação e renascer outra vez. (p. 43)

A evidência da vida não é a imediata realidade mas o que a transcende e estremece na memória. (p. 117)

O reino da vida está cheio ainda do rasto dos deuses, como num país velho perdura a memória dos senhores antigos e expulsos. Mas o homem nasceu - nasceu agora da sua própria miséria e eu sonho com o dia em que a vida fique cheia do seu rasto de homem, tão certo e evidente e tranquilo como a luz da tarde de um dia quente de Junho... (p. 181)

Mas o que sei é que o homem deve construir o seu reino, achar o seu lugar na verdade da vida, da terra, dos astros, o que sei é que a morte não deve ter razão contra a vida nem os deuses voltar a tê-la contra os homens, o que sei é que esta evidência inicial nos espera no fim de todas as conquistas para que o ciclo se feche - o ciclo, a viagem mais perfeita. (p. 247)

[...] a vida do homem é cada instante - eternidade onde tudo se reabsorve, que não cresce nem envelhece -, centro de irradiação para o sem-fim de outrora e de amanhã. O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo, vibrando. (p. 250)