"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Tem sido comum, na literatura contemporânea, a retomada do estilo e dos motivos clássicos. Poetas como Ivan Junqueira e Alexei Bueno reabsorvem a estética clássica, fundindo o tempo mítico ao tempo histórico, de onde emerge uma poesia metafísica, que interroga a dúvida contingente por meio de grandes arquétipos da Antiguidade. Destacamos uma poesia de Alexei Bueno, extraída do livro Lucernário:

Os tempos


Tu és moderno. Neste momento,
Enquanto passa a tua alma e o vento,


Uma mulher, de um homem largada,
Mata os dois filhos, alucinada.


Degola os dois, enquanto farreia
O pai. Seu nome não é Medéia.


É um outro nome. Tu és moderno.
E o vento passa, odorante e terno.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

CIDADE


Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e existem praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pelas sombras das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)