"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

sábado, 19 de setembro de 2009

Realidade Perdida



Tom estava no quarto olhando para o teto; via nele as estrelas escondidas. No teto branco imaginava o cosmo sobre suas vidas. Suas vidas...
Mas vida de quem?
Lembrou-se então da semana passada quando feliz estava por ter conseguido o emprego que sempre sonhara.
Você começa amanhã! – disse com ênfase o gerente do setor de produção de “grande empresa grande” da cidade.
Amanhã começa minha vida nova, pensava consigo, tudo que sempre quis agora realizarei.
Seus sonhos não eram muitos: queria um lugar para viver, roupas para vestir, um transporte próprio para ir e vir.
A vida agora seria outra.
Acordou ainda antes do sol nascer, não queria se atrasar; pegou duas conduções, as duas cheias.
O dia passou rápido; a empolgação não deixara olhar para o relógio.
Chegou tarde em casa, pois tinha perdido a conexão no terminal de ônibus. Mas ainda assim com um sorriso de orelha a orelha.
Sua mãe percebeu seu cansaço e ofereceu-lhe o jantar; não respondeu, pois estava dormindo. E num sorriso orgulhoso ela disse: meu filho é alguém.
A semana passou; os dias iam iguais. Com o fim de semana se aproximando, o sorriso que aos poucos tinha sumido, voltou. O descanso merecido: todo trabalhador tem direito de descansar, dizia consigo.
“Devido ao grande sucesso de nossa empresa teremos que trabalhar neste fim de semana. Lembrem-se: trabalhamos juntos crescemos juntos.”
Este era o cartaz colado ao lado do cartão de ponto.
Ele tinha medo de sentir-se com raiva pela situação, pois iria ganhar mais. Porém feliz não estava.
“... teremos que trabalhar (...) juntos...”.
Isso fez o paradoxo em seus sentimentos diminuir quando soube na segunda-feira que seus patrões passaram o fim de semana na Europa.
No quarto imaginava seu futuro, baseado em seus colegas de empresa mais antigos: os dias, as semanas, os meses, os anos passando. A vida; a mesma. De seus sonhos apenas uma moto, que o faria preso a esta situação por quarenta e oito prestações.
Olhando para o alto lembrava de uma aula sobre o cosmo; o espaço é um vácuo cheio de corpos celestes donde tem-se a provável origem de tudo. E o que é o vácuo? – pensou concentrando-se na parede branca sem nada e dormiu.


(Michael Bonadio)

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