"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

domingo, 24 de abril de 2011

Já há sete anos lecionando no curso de Letras, é possível perceber as transformações que vão se operando no graduando desta área do conhecimento. Muitos chegam sem a real compreensão do que trata o curso; outros parecem buscar apenas o certificado, alegando ser necessário, "hoje em dia", ter um curso superior; e ainda há aqueles vocacionados para as letras, que já chegam com certa bagagem de leitura e vontade de aprofundar seus conhecimentos linguísticos e literários. No meio da caminho, muitos desistem, pois não é fácil estudar Letras sem a devida dedicação; por outro lado, muitos daqueles que chegam sem o suficiente preparo acabam se identificando de tal maneira que se tornam exemplos de boa conduta, dedicação e entusiasmo. Ensinar literatura é o mesmo que ensinar a gostar de literatura? Até certo ponto sim, porém não depende apenas do professor, mas de um envolvimento do aluno para com as disposições teóricas e as leituras "obrigatórias"; um dos sintomas de que este envolvimento esteja acontecendo é quando eles não encaram mais as leituras como obrigatórias, mas como fontes de conhecimento e prazer. O aluno não deve aprender Fernando Pessoa pensando que precisa ensinar, depois, no Ensino Médio, as características de cada heterônimo; também não deve estudar Romantismo com a ingênua visão de que precisa saber responder, na prova, onde o movimento começou, quais as suas características, seus autores e obras. O aluno deve se abrir ao olhar transformador, compreeder as obras e as matrizes teóricas como formas de ampliar sua visão sobre o mundo e sobre si mesmo. Um estudante de literatura não pode ser alheio aos conteúdos, mas perceber-se como parte integrada de um "mecanismo" que leva em conta subjetividades, percepções e criações. Afinal de contas, o que faz das grandes obras o que elas são, é sua capacidade de "sempre dizer", de "não se fechar a um tempo"; ainda que se olhe para ela com o distanciamento de um crítico, é preciso compreender e aceitar que num primeiro momento deve-se senti-la. Ler um conto de Clarice Lispector desejando aplicar teorias é como encará-la do ponto de vista matemático, lógico, preciso. Entregar-se a uma leitura de forma desprovida, inicialmente, é devolver a ela sua originalidade e sua capacidade de surpreender. Digo isso pensando nos estudantes de Letras, que muitas vezes consideram as leituras como um "peso" a ser carregado durante alguns anos de graduação. Por outro lado, é de extrema satisfação acompanhar o progresso de tantos outros alunos que se percebem amantes da literatura, e devoram as obras, as aulas e os estudos como quem experimenta sempre o novo; é nítida sua mudança de postura e de habilidade verbal, além de seu refinamento de espírito. Por estes alunos, vale muito a pena propor discussões, análises e leituras; com eles, rememoramos o prazer proporcionado pela descoberta das "primeiras e eternas letras".

terça-feira, 19 de abril de 2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Depois de onze anos da sua última obra poética, Ferreira Gullar publica, em 2010, Em alguma parte alguma. Já aclamado pela crítica – e não poderia ser diferente –, a obra poética aparece prefaciada por Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin, que ressaltam a qualidade e a originalidade da voz poética de Gullar. Militante na vida política, artística e cultural, o poeta e crítico participou de movimentos vários, tendo acompanhado de perto alguns desdobramentos de vanguarda e, dentre eles, o Concretismo e suas ramificações, a partir da década de 50. Seu contato imediato com as linhas de força da poesia brasileira desde o Modernismo lhe proporcionou um poetar de múltiplas vozes e tendências, além de um diálogo fremente com a herança recebida dos vários modernismos e da contemporaneidade, o que se percebe, também, na última obra. Segue, abaixo, um poema que compõe Em alguma parte alguma:

A ESTRELA

Gatinho, meu amigo,
fazes ideia do que seja uma estrela?

Dizem que todo este nosso imenso planeta
        coberto de oceanos e montanhas
        é menos que um grão de poeira
        se comparado a uma delas

Estrelas são explosões nucleares em cadeia
numa sucessão que dura bilhões de anos

O mesmo que a eternidade

Não obstante, Gatinho, confesso
que pouco me importa
                  quanto dura uma estrela

Importa-me quanto duras tu,
                  querido amigo,
                  e esses teus olhos azul-safira
                  com que me fitas