"O artista é o viajante feliz que, após ter longamente navegado sobre as águas da dúvida, nas trevas do esforço, pode, enfim, bradar: terra!"

(Mikel Dufrenne)

sábado, 29 de agosto de 2009

Cleri Aparecida Biotto Bucioli, residente em São Carlos, é mestra em Estudos Literários pela UNESP de Araraquara. Sua dissertação de mestrado - Entretecer e tramar uma teia poética: a poesia de Orides Fontela - foi publicada em 2003, pela Annablume: Fapesp. Em 2000, Cleri publicou o livro de poesias Sedas Rasgadas, pela Taba Cultural. Abaixo, transcrevemos alguns de seus poemas:
CAOS

Quando não quero enxergar o mundo,
tiro os óculos.

Caos.
Névoas, profusões de névoas turvam a visão...

A eterna tristeza está no recolocar os óculos:
mesmo querendo ver às claras,
as imagens distorcem,
são neblinas da visão...


À TOA

Pensando um verso bonito
não encontrei palavras.
Guardei o pensamento.
O pensar adormeceu.
As palavras adormeceram.
O verso ficou para depois.
E depois... é o indeterminado...


EMPÓRIO

As prateleiras vazias,
poeirentas, encardidas
têm resquícios de passado.
Não há arejar de sol nas tábuas
e as traças tracejam
traços no tempo.
As prateleiras (fantasmas)
apodrecem.
Os sonhos, o murmurar da vida
diluíram-se no pó.
Sobre as prateleiras inertes
minha sombra inútil varre
a sujeira das teias
trançadas no labirinto do tempo.
Poeira secular.
Nas prateleiras vazias
Minha alma dorme...


CRONOS

Dá-me um dia
para organizar
atos desatados.
Um dia só basta
para conversar
com o pensamento enlouquecido.
Um dia é o justo tempo
para falar de amor.
E nesse dia,
do nascer do sol
ao despertar das estrelas,
haverá um consenso de idéias
sábias e loucas, revelando-me.
Por um dia
é, foi, será
válido viver...


DESABAFO

A palavra rasga a alma.
Como lâmina cortante
Retalha o coração
E sangra.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Participei recentemente de uma sessão temática sobre poesia brasileira contemporânea, e tive a oportunidade de receber a obra "objeto algum", do poeta mineiro Rodrigo Guimarães, publicada em 2008. Aqui seguem alguns poemas:

sem título

e o que se vê
centraliza todo
o espaço,
persiste,
sem moldura
ou título,
cravado em seu
axioma de ferro,
seu habitat supremo,
desqualificando tudo
com exata indiferença,
como um
prego na parede


detalhe

acontece que
ao perder o chão
passou a
observar os
pés e talvez
de tal modo
acercar-se da
minúcia
excedente
que melhor
se reconhece
no que cumpre
desaparecer


pormenor

se diante do desacerto
decidiu-se pelo óbvio,
talvez não tenha visto
o que à primeira vista
não se vê

terça-feira, 11 de agosto de 2009

ESTRANHO AMOR

Um estranho amor,
assim como chegou se foi,
levou meus segredos tão discretos,
meu olhar de plenitude, meus sonhos,
meus mistérios que só com ele dividia.
Nada disso significou tédio ou fim do tesão,
de um sobressalto se começa a amar de novo
de outro jeito, com outro sentir.
Viver bem os amores que cruzam nossas vidas
é um ato de heroísmo.
Amar é como depois de uma caminhada árdua
ser docemente surpreendido pela descoberta do outro,
e ter o amor como medida, sempre!

mmadalena

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Não tenho o hábito de escrever poesias, mas aqui seguem três que produzi num dia desses:

ARESTA

Que estranho
nós dois
sempre na aresta
do ontem, na certeza do ontem
na aresta
do amanhã, na possibilidade do amanhã.
No hoje não!


POESIA

Poesia é a gota que
cai
da consciência trans
bordante.


DRUMMONDIANDO

É sempre no meu sexo
aquele incesto
Sempre no meu gim
aquele fim
Sempre no meu muro
aquele orgulho
Sempre no meu sempre
aquele nunca.

(Alexandre de Melo Andrade)